MANUAL DA JUVENTUDE CAÓTICA
Noites atrás, depois de metade de um hambúrguer com pedaços de bacon, me senti culpado e tentado a enfiar o dedo indicador goela abaixo. Não o fiz porque tornar a provocar vômitos roubaria de mim a sensação de controle, e eu me sentiria ainda mais culpado se devolvesse o Fast Food para fora; seria um comportamento autodestrutivo. A ideia de não estar no controle do que acontece comigo ou simples fato de não conseguir exercer autocontrole tende a me tirar do eixo e a me desestabilizar.
Problemas com a falta de moderação e comportamentos de risco me perseguem desde a adolescência, e trazem à tona a pior versão de mim mesmo.
Eu sinto vontade de beber, mas eu sei que não vou me dar por satisfeito apenas com uma lata de cerveja, e eu tenho medo do que sou capaz de fazer quando não estou sóbrio. Não posso simplesmente me dar ao luxo de comprometer a minha sobriedade e não arcar com as consequências.
Assim sendo, tenho convivido diariamente com a abstinência.
Durante algum tempo, usei estabilizadores de humor na estratégia de refrear os impulsos. Em contrapartida, era obrigado a lidar com a letargia. Então, recentemente, num acesso de raiva, joguei toda a minha coleção de reguladores de humor no lixo. Sinceramente? Não me arrependo de tê-lo feito, pois, após um longo período encharcando meu corpo com drogas pesados sem experimentar melhora alguma em longo prazo, acabei criando aversão ao uso de remédios. Naturalmente, como sempre fui uma pessoa “fora da casinha”, não posso me dar ao luxo de viver sem remédios para gerenciar problemas com o TOC e ansiedade, pois preciso me adaptar às malditas convenções sociais e ao mundo à minha volta – tarefa praticamente impossível sem uma combinação de remédios que funcionem comigo.
Encontrar uma combinação de remédios que atenda as necessidades especiais de um portador de desordens mentais e que o ajude a ser uma pessoa relativamente funcional normalmente demanda tempo.
Se eu pudesse escolher não ser portador de transtornos mentais, eu com certeza me agarraria a essa escolha. Recentemente, uma pessoa me perguntou se eu sinto vontade de ser outra pessoa ou de viver outra vida. A resposta é sim. Um dos meus devaneios envolve colocar uma máscara no rosto a fim de criar uma identidade secreta e dar uma surra nos criminosos à noite. De dia eu seria um garoto comum, neuroatípico e problemático. À noite eu seria um vigilante mascarado e combateria o crime. A máscara esconderia parte dos meus demônios figurativos e eu canalizaria toda a minha escuridão atuando como um vigilante que tem uma identidade secreta visando resguardar as pessoas próximas a mim. Parece piada, certo? Mas não é. Infelizmente, dar vazão a essa fantasia está fora de cogitação, uma vez que eu não saberia me desvencilhar de uma bala.
De fato, não é possível transferir-se para a pele de outra pessoa. O que você pode fazer é explorar a melhor versão de você mesmo e renegar a pior versão de você mesmo. Não se trata de uma filosofia. Acredito que no mundo há coisas, circunstâncias e pessoas que podem trazer à tona a melhor versão de nós mesmos. A mesma regra se aplica à pior versão de nós mesmos.
Difícil é explorar a melhor versão de você mesmo quando se está preso a muita escuridão. A maioria das pessoas jamais vai entender o que vou dizer, mas há muita escuridão em mim, muito mais do que eu sou capaz de suportar – uma escuridão que infelizmente se sobressai em relação ao pouco de luz que ainda resta em mim. Eu tentei lutar contra a escuridão por mais tempo do que gostaria de mentir, mas, em longo prazo, eu acabei baixando a guarda, e a escuridão triunfou sobre mim. Eu posso dizer que já experimentei praticamente todas as nuances do sofrimento humano, todos os seus aspectos, e vivenciei eventos traumáticos que criaram uma hemorragia na minha alma: o meu irmão adotivo fora arrancado de mim por uma assistente social megera quando eu ainda estava na primeira metade da adolescência (eu deveria ter fugido com ele quando tive chance); sofri abuso sexual ao longo da segunda metade da adolescência e as lembranças ainda me fazem sentir culpa e repulsa; eu fora renegado pelo meu pai biológico, que veio a falecer sem que fizéssemos as pazes; tive um colapso mental na adolescência e vi meus avós maternos morrerem antes de eu chegar à vida adulta. É absurdamente fácil se perder na densa escuridão quando todas essas experiências ruins têm efeitos cumulativos em sua psique, de modo que você perde a capacidade de enxergar e se conectar a luz. A escuridão pode ser sobrepujante, e é um desafio passar da escuridão para a luz.
Para muitos dos que sofrem com distúrbios psiquiátricos, a vida parece andar num ritmo muuuuuito mais lento, como se a vida simplesmente não fluísse. É fácil fraquejar na fé e perder as esperanças quando você se sente terrivelmente vulnerável e vazio. Para quem sofre as condições de uma doença mental, a juventude muitas vezes é desperdiçada, e ser qualquer outra pessoa se torna praticamente uma ambição de vida.
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